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POR CÁSSIA ALMEIDA/O Globo

CAMPO NOVO DO PARECIS – Integração, conhecimento, diversão, cultura, regados a banhos de rio refrescantes. O turismo indígena começa a despontar no Brasil. Em medida normatizada ano passado pela Funai, é possível viver um dia de índio visitando a rotina nas aldeias. Campo Novo do Parecis — cidade a 390 quilômetros de Cuiabá, a capital mato-grossense — é a porta de entrada para conhecer a etnia dos parecis, que está espalhada por 56 aldeias no estado.

Os turistas são recebidos com música e trajes de festa. E conversam com os moradores das aldeias, incrustadas no meio do cerrado, cortadas por rios que correm em direção ao norte, para o Rio Amazonas, e para o sul, ao encontro do Rio Paraguai.

Circuitos para banho de cachoeira

Num programa pelo extenso estado, o terceiro maior do país, seguimos pelos caminhos de cachoeiras, com quedas de 90 metros, onde se pode praticar rapel e escorregar por tirolesas. Na volta para Cuiabá, uma parada na imponente Chapada dos Guimarães. A 64 quilômetros da capital, surgem as cavernas com lagoas azuis: o calcário nas pedras dá o tom à água.

O circuito das cachoeiras se abre ainda nos paredões da chapada. As caminhadas são longas, mas a recompensa do banho faz valer a pena desbravar parte do Oeste brasileiro.

NA ALDEIA, EM BREVE, PERNOITE NA ‘HÁTI’

Com música e dança, os turistas são recebidos na aldeia Wazare, primeira parada do roteiro indígena montado em Mato Grosso, um ano depois de a Funai ter fixado as normas para as visitas turísticas. Dangore dare dore é o primeiro verso da música que os parecis cantam para os visitantes, que falam da unificação de todos os elementos da natureza e pedem bênção aos bons espíritos para os turistas.

Para desbravar o Oeste brasileiro por Mato Grosso e conhecer mais de perto a cultura de parte dos mais de 800 mil indígenas brasileiros, a viagem é longa. Campo Novo do Parecis, porta de entrada do turismo indígena, fica a quase 400km de Cuiabá, vencendo estradas de razoáveis a ruins. E as aldeias ficam a 60km e 70km da cidade, em estrada de terra. Não se deve esquecer que este é o terceiro maior estado do país, atrás apenas de Amazonas e Pará. O logo aí para o mato-grossense pode significar três horas de estrada. Depois de horas em ônibus ou carro, deparar-se com uma clareira, rodeadas de hátis (as casas dos parecis-halitis), recebidos por indígenas em trajes de festa, cantando e dançando, impressiona.

O cacique Roni Pareci é o líder da aldeia e pioneiro em integrar as duas culturas. Montou há cinco anos a aldeia com cerca de 30 moradores, perto do Rio Verde, onde pescava com o pai. Decidiu criar sua própria aldeia ao não conseguir convencer os avós, pais e tios a receberem turistas. Procurou a Prefeitura, e teve apoio para estabelecer o roteiro. Aos 39 anos e formado em Educação, senta-se ao lado dos convidados e conta histórias da tribo, responde às perguntas sobre hábitos, crenças e tradições.

— Queremos acabar com o preconceito, mostrar nossa cultura, preservar a identidade e aproveitar os avanços da tecnologia, na saúde. Queremos integração.

Casas sem divisões

Na escola na aldeia Wazare, as crianças aprendem português e o aruaque, a língua nativa. Todos os professores são indígenas. Três gerações compartilham a mesma háti. São amplas casas, sem divisões, onde ficam pais, filhos, netos. As casas têm formato elíptico, com duas portas nas extremidades, uma voltada para o nascente e outra para o poente. São feitas de aroeira e cobertas por folhas de guariroba. Têm todo o conforto, TV, geladeira e carro parado ao lado. Em breve, será possível dormir em uma háti, ajudar nas tarefas domésticas. Mas esse tipo de roteiro ainda está sendo formatado.x

Foto: Márcia Foletto/Agência O Globo

A dança é a mesma que os nativos apresentam na festa da menina-moça, um rito de passagem, assim que a menina menstrua. Os homens balançam os cocares para elogiar as meninas. As pinturas representam força e sabedoria. Em zigue-zague, espelham-se na tela do palmiteiro do brejo, muito duro, significa força. O desenho trançado mostra o início da confecção das cestas:

— Se não for feita desde o início com dedicação, não se consegue chegar ao fim da cesta — explica Evandro Zenazokenae, que fica na cidade parte do tempo, e estuda Enfermagem

 

O almoço é servido ao ar livre. Carne de alcatra na brasa, arroz, salada de repolho e tomate, biju e frutas de sobremesa. Visitantes e índios almoçam juntos e continuam nessa convivência por toda a tarde. Assistem ao cabeçabol (esporte com as mesmas regras do futebol, mas jogado somente em lances com a cabeça) e a tiros de arco e flecha. Tomam água na nascente, que segundo o cacique Roni, é a água mais pura da região.

Uma breve incursão por dentro do cerrado serve para apresentar plantas medicinais. Mas não espere muita profundidade nesse aprendizado. A beleza dos cocares e colares coloridos em contraste com o verde da floresta hipnotiza e desvia a atenção. Aliás, cocares, colares, arco e flecha e cestas são opções de compra por ali.

Pinturas corporais

A próxima tribo do roteiro é a de Quatro Cachoeiras, do Cacique Narciso, o mais antigo da região. São quase cem moradores em uma área maior que a aldeia dos Wazare. Fica a 33km de Campo Novo. Lá, é possível fazer pintura corporal. As crianças fazem os desenhos, mas cuidado, pergunte primeiro qual tinta estão usando. A feita com jenipapo pode demorar a sair da pele. Fica, pelo menos, três dias. Lá, a língua aruaque prevalece. A visita continua até a aldeia Utiariti. As poucas casas são de alvenaria. A recepção é breve e serve apenas para mostrar o caminho para a próxima atração: o salto de Utiariti.

FLORESTA: RIOS E CRIANÇAS AO REDOR

São poucos metros de caminhada até a paisagem se abrir em quedas d’água de diferentes alturas, mas todas muito refrescantes. O turismo indígena sempre termina num banho ao lado dos nativos que têm nos rios e nas cachoeiras o maior parque de lazer para crianças e adultos. Depois que se avança pelas dezenas de quilômetros de estrada de terra, as trilhas são até fáceis. O mais impressionante é o Salto do Utiariti, que fica a poucos metros da aldeia de mesmo nome.

São 98 metros de queda livre no Rio Papagaio. Ao chegar perto da margem, a nuvem d’água forma belíssimos arcos-íris. Quem quiser se aventurar, pode descer de rapel ao lado da forte queda, com cinco metros de descida negativa. A subida de volta, num caminho íngreme, acidentado e escorregadio, provoca mais medo que a própria descida de rapel.

Quem não quiser descer pela corda pendurado, a outra opção é deliciosa. Aproveitar os poços formados pouco antes da queda, onde há ondas de água quente e fria, como uma hidromassagem natural, sob as árvores.

Ver a cachoeira de frente é outra forma de conhecer o Salto do Utiariti. O caminho também é escorregadio, sinuoso e cheio de pedras. Uma chuva constante acompanha o visitante pelo caminho. Leve alguma proteção para máquina fotográfica ou celular, se quiser registrar a paisagem exuberante.

Chegar à aldeia requer uma viagem longa. São 98km para quem parte de Campo Novo do Parecis. Como as distâncias são longas, é melhor evitar conhecer mais de uma aldeia ou cachoeira por dia, para aproveitar melhor o dia no cerrado e não se cansar demais. Repelente e filtro solar são indispensáveis nessa viagem. Vacina contra febre amarela também é recomendável. Deve ser tomada dez dias antes da viagem.

Festa em complexo aquático

Na aldeia Quatro Cachoeiras, o Rio Sacre forma quatro quedas, uma ao lado da outra. Um complexo aquático que é uma festa para as crianças da aldeia. O pé de menino, galho de árvore que avança para o rio, serve de trampolim para a criançada que enfrenta a correnteza sem medo.

Para os turistas, o melhor é descer um pouco pela trilha e chegar a pequenos poços para se banhar sem sustos de ser levado pela correnteza.

O mais divertido é brincar com as crianças que aproveitam os visitantes para pular de um galho para o outro. Floresta, rios e crianças ao redor, difícil encontrar cenário semelhante, sem sinal de celular ou internet.

Na aldeia Wazare, não há quedas, somente margens plácidas para banhos calmos, também juntamente com os índios. Se quiser conhecer melhor o Rio Verde, um pequeno barco a motor leva os turistas para um agradável passeio.

 

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